Invejo - mas não sei se invejo - aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer.
Que há-de alguém confessar que valha ou que sirva? O que nos sucedeu, ou sucedeu a toda a gente ou a nós; num caso não é novidade, e no outro não é de compreender. Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.
O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações.
Estas confissões de sentir são paciências minhas. Não as interpreto, como quem usasse cartas para saber o destino. Não as ausculto, porque nas paciências as cartas não têm propriamente valia.
De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações e a compreensão profunda de estar sentindo...
Uma inteligência aguda para me destruir e um poder de sonho sôfrego de me enterter... Uma vontade morta e uma reflexão que a embala...
(...)assim é toda a vida. Um tédio que inclui a antecipação de mais tédio; a pena, já, de amanhã ter pena de ter tido pena hoje - grandes emaranhamentos sem utilidade nem verdade... Em nada me pesa ou em mim dura o escrúpulo da hora presente. Tenho fome da extensão do tempo e quero ser eu, sem condições.
Passo tempos, passo silêncios...
Fernando Pessoa in Livro do Desassossego
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
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